segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Meus acordes sob as cores - Ludmila Barbosa


Vivi o tempo das condições das cores, em que negro parecia não ser visto como raça ou cor. Por isso mesmo a hora de parar de sonhar já estava determinada. Era jovem, estava com meus 19 anos e desde criança tive responsabilidades adultas. Já havia conhecido o lado desagradável da vida, mas me considerava capaz para alcançar coisas e momentos melhores.

Nessa idade quis dar a mim mesma o que chamei de “toque de felicidade”. Para isso, comecei a colocar em prática o que para meu pai era um desperdício. Trabalhava dignamente para isso e queria continuar seguindo em frente. Apesar de ter idade suficiente pra tocar minha vida sozinha, tinha decidido ficar na casa dos meus pais, afinal eles aparentavam querer o meu bem e certamente conseguiria ajudá-los. As coisas pareciam estar dando certo, pelo menos até aquele momento meu pai não descobrira o que para mim era certo e, para ele, um grande erro.

Depois de um tempo, estava preparada e de malas prontas para ter uma nova vida no Rio de Janeiro e continuava fazendo o que gostava. Já devia ter percebido que as coisas estavam boas demais para ser verdade: à tarde estava ansiosa pelo dia seguinte, enquanto isso meu pai vinha de encontro a mim com um tom furioso. Deu-me várias razões para desistir de tudo, mas uma delas pesou mais. A ideia de que negro não consegue nada me desmoronou, acabando com tudo que idealizava. E no fim o amanhã não passou de sonho.

Hoje eu talvez estivesse em cima de um palco tocando Mozart nas cifras e acordes de um piano e, quem sabe, algo de minha autoria sendo aplaudida de pé. Ou quem sabe não, talvez poderia não realizar tudo isso. Poderia ao menos tentar tudo de novo, sem arrependimentos do passado.

A autora é aluna do 9º Ano do Ensino Fundamental - EEEFM "Prof. José Leão Nunes"

sábado, 3 de setembro de 2011

Escolha errada - Renata Rosetti


Existem muitas perguntas no mundo que têm o direito de serem respondidas. Uma delas é: “de onde vêm os bebês?” e “que história é essa de cegonha?”. Bom, meu nome é Phil, sou uma cegonha, e faço questão de responder.

Pra começar, um aviso aos pais: vida de cegonha não é fácil, não é nada fácil. Nasci pra ser águia, escolhi virar cegonha, e minha vida é sempre a mesma.

Acordo todos os dias já com fralda no bico, saio de casa e vou pra Baby Center e não sei por qual motivo sempre me encarregam de levar um bebê gordinho, babão, e que fica tentando pegar meu bico o tempo todo.

Pois é, passo o dia todo voando, enquanto os pais dessas coisas sem pena esperam sentadinhos em casa.

E depois eles ainda crescem acreditando ter saído de uma tal barriga. Tá de brincadeira, né? Devia ter virado águia...


A autora é aluna do 3º Ano do Ensino Médio - EEEFM "Prof. José Leão Nunes"

sábado, 27 de agosto de 2011

Melodias - Wesley Pereira

 

Quando estamos na adolescência a maioria de nós pensa somente em curtir e não liga muito para responsabilidades. Conheço um menino bacana que não possui essas características, diferente de muitos adolescentes.

Um menino responsável e trabalhador, ajuda sua mãe num bar, humildade que se esbanja. Aos poucos vi que ele tem uma vida muito farta, pois de segunda a sexta vai para escola e participa de várias atividades. Uma delas é tocar seu instrumento preferido: um trompete.

Melodia a cada sopro, fluindo seus sentimentos. A essência de notas não proclamadas por outros instrumentistas. Cada nota uma passagem de sua vida. Toca como se não houvesse o amanhã.

Com aquele instrumento faz magia, tal magia que envolve quem está ao seu redor. Parece que esquece seus problemas, pois o que importa naquele momento é transformar este algo comum em sua personalidade.

Toca sem um rumo, pois não sabe ao certo seu caminho e o que o amanhã lhe trará de presente. Toca por prazer e com apenas um objetivo: que suas melodias cheguem até você e façam saber qual é o verdadeiro sentido de viver.


O autor é aluno do 1º ano do Ensino Médio - EEEFM "Prof. José Leão Nunes".

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Despedida de um 121 - Kennedy Breuel


Em abril de 1997 ocorria uma onda de delitos no bairro Boa Sorte, no coração de Cariacica e eu, Tiago, fui acusado de ter cometido uma série de crimes. Entre eles, homicídio. Graças a Alex e Rafael, donos da boca de fumo, fui delatado. Então, fui para o sofrimento e meu rosto estava estampado em todos os jornais da Grande Vitória.

O comentário era geral. Todos diziam: pegaram “o maníaco do BS”. Enquanto eu ia para a cadeia, policiais me espancavam. Nesse momento eu lembrava a vida miserável que levava num barraco de dois cômodos. O cheiro de comida estragada se espalhava sobre a casa e eu morava só. Meu irmão foi preso pelos 121 e 157, meus pais foram mortos por traficantes. Cada um recebeu vinte e seis facadas. Aí não tive escolha: tive que entrar na vida bandida.

Fui condenado a 25 anos de cadeia, sem visitas de familiares. Já se passaram 13 anos, minha filha já deve estar uma moça e eu abandonado, descalço, com fome, baratas me rodeando e ratos espalhando urina e fezes. Meu Deus, já não aguento mais! Barba grande e eu estou fedendo, com hematomas de tantas surras de policiais. Mas isso tudo não dói mais do que a saudade da minha família. Arrependo-me por ter descarregado um pente na cabeça de um cidadão que me chamou de “noia”. Para manter minha pose, fui obrigado a tirar sua vida.

Não dá mais, estou me despedindo de todos os meus amigos, se eles ainda estão vivos. Pedi ao guarda para entregar essa carta a vocês, tios. Estou indo encontrar minha mãe e meu pai. Nesse momento já enrolei o lençol e parti para o encontro. 


O autor é aluno do 9º Ano do Ensino Fundamental - EEEFM "Prof. José Leão Nunes".

domingo, 24 de julho de 2011

Sentir sem ver - Ariane Bravin

 

Moro em um dos bairros mais tradicionais do município de Cariacica. Seu nome está relacionado à visão que temos do mar azul tão distante. Vista Mar, esse bairro tranquilo, sempre foi e sempre será o meu lar.

Ao sair de casa logo cedo, começo a observar tudo o que acontece ao meu redor e que acompanho todos os dias. Posso observar enquanto estou parada em frente ao portão de casa as pessoas que passam por ali cotidianamente. Entre elas uma que me chama a atenção. É um simpático senhor deficiente visual que passa por ali, todos os dias, no mesmo horário, no mesmo local.

Lá vem ele descendo a ladeira com sua bengala batucando de um lado para o outro. Cada batuque um som diferente. É interessante, pois sua bengala é sua visão. Sendo assim, por meio dela ele pode “ver” o que está em seu caminho.

Ao passar ao meu lado, ele me cumprimenta sempre com um “bom dia”. Fico a imaginar como pode ele perceber que estou ali se seus olhos não chegaram até mim e sem mesmo eu ter emitido algum tipo de som que seus ouvidos pudessem me escutar.

E lá vai ele descendo a ladeira atentamente, sem errar nenhum passo para não perder a pose. E cada pessoa que passa ao seu lado recebe um cumprimento educado, um simples “bom dia”.

Ao observar essa cena que se repete todos os dias, fico imaginando como é interessante o fato de que sem ao menos enxergar as pessoas, ele as trata com educação, diferente de algumas pessoas consideradas perfeitas. E mesmo sem poder ver o que está ao seu redor, pode sentir a energia de cada um. Ele pode não ter acesso à vista que temos do mar, porém, apesar da distância, pode sentir o que não sentimos, sua brisa.


A autora é aluna do 2º Ano do Ensino Médio - EEEFM "Prof. José Leão Nunes" - Texto Semifinalista das Olimpíadas de Língua Portuguesa - Escrevendo o futuro - 2010 - Categoria Crônica.